Os Compossíveis, a pandemia que não queria ser contada
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- Calcular frete"Escrevo porque não sei fazer outra coisa de que precise tanto, e não tenho mais tempo para aprender outra linguagem. Meus personagens podem ser em parte verídicos, e em parte inventados: o leitor não saberá jamais distingui-los; mas se identificará ou não com um e outro, o que será um alento para mim que escrevo essas linhas. Não publiquei nada até hoje, mas escrevo mesmo assim. Talvez um dia alguém encontre esses textos bobos e veja que há neles algum sentido, e os publique. Por enquanto só sei que gosto de escrever antes de qualquer outra coisa, mais até do que ser lida. Aliás, meu irmão Luca é desvairado assim também; só que ele já publicou algumas novelas sob um pseudônimo, o que eu não quero usar: se for para ser, será com meu nome, sobrenome e endereço. Por enquanto escrevo escondido para que ninguém leia; porque não quero que saibam que escrevo. A não ser, talvez no futuro, o meu leitor ideal, que por enquanto só existe em minha fantasia: é o leitor que viveu o mesmo descompasso que eu durante uma pandemia que nos tornou mais solitários, mais indevassáveis, mais tristes e melancólicos do que imaginávamos que pudéssemos ser. Escrevo hoje porque antes gostava de ler os romances dos outros, cujo gosto, no entanto, perdi durante a pandemia: eram todos muito tristes e me irritavam ou me faziam chorar. Talvez os autores tivessem passado por algo semelhante, e eu não queria saber de sua dor: a mim importava a minha, e só conseguia expressa-la escrevendo. Então escrever tornou-se uma terapia, uma louca terapia. Se olhar para trás me dou conta de que talvez ninguém saiba sobre essa faceta minha. Ninguém poderá saber a que me submeti durante todos esses anos, especialmente os primeiros, os anos da vertigem. E como não tenho nenhuma pretensão de ser lida, isso também não importa. Se imaginar é coisa do autor, essa é também uma função do leitor, de cada leitor. Juliana Hein"
Suzana Kilpp nasceu em Estrela em 1948. Tem vários livros publicados sobre televisão. Como ficcionista, publicou Quaresma, Geração Grapette, Ana Quaresma, O norte é para lá, O livro dos neuróticos e Era uma vez Ana Quaresma.