Estes que têm futuro bastante
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- Calcular freteO futuro, assim como o passado, só existe na linguagem. Estamos sempre no presente. No entanto, como somos seres de linguagem, estamos também ora no passado, ora no futuro e até, de vez em quando, no presente. Enxergar o instante, sem estar com a cabeça longe, vagando em memórias ou em planos e conjecturas sobre o porvir, é tarefa difícil. A poesia de Juliana Meira nos coloca muitas vezes em algum aqui e agora com o recurso da descrição. Desenrolam-se frente aos nossos olhos uma paisagem, um bicho, uma estrada, uma criança. Em outros momentos, um pouco do passado chega com uma antiga infância, uma benzedeira. E percorre o livro como um rio subterrâneo, uma certa aflição em relação ao futuro, palavra presente no próprio título e repetida em alguns dos poemas. Coincide esse sentimento talvez com três fatos extraliterários que se imbricam na vida da autora e se derramam nos seus poemas: o nascimento de um filho, uma pandemia e um governo fascista. Mas essa mãe, sobrevivente, cidadã e, sobretudo, poeta se sai bem dessas aflições todas. Lembrando a música do Hermelino e a Football Music, "pô, amar é importante/você não imagina a aflição que eu fico/quando estou contigo ou não estou", o amor, incluindo o amor pelos filhos, é uma aflição danada. A poeta, e é dela que temos notícias aqui, sai-se bem, como vem fazendo ao longo de todos os seus livros, pois transforma aquilo sobre o que se debruça em poemas que sobrevivem ao que os tenham motivado. Com uma hábil construção de ritmos, de rimas internas, de cortes na página. Com sua extrema capacidade de sugerir mais do que dizer. Com sua inteligência criativa que escolhe muito bem cada recurso. Com tudo isso, Juliana Meira traz para quem ler seus livros deleites e desafios. É poesia para se ler com calma. É preciso entrar em sintonia com seu texto. A aparente rapidez causada pelo próprio tamanho dos versos e dos poemas encontra resistência no seu dizer enviesado, cheio de armadilhas e surpresas. Ao final de cada página, podemos nos pegar dizendo, como no final de um dos seus poemas: "por que diabo fui me meter/com essa paisagem".
Ricardo Silvestrin