"Anátema para quem pensar que este é um livro de causos. É um livro de autênticos contos literários, a que não faltam texto e subtexto, principalmente subtexto. E eis a essência desse difícil gênero, de que se exige concisão e rigor da palavra: o que se esconde vale mais do que se mostra. E nisso José Eduardo Degrazia é mestre. Ajuda-o muito sua excelência poética, capaz de articular a metáfora com o mundo real? e a metáfora nunca é o que parece, mas, sim, o que representa. E por qual razão alguém pensaria em causos? Sei o motivo: estes textos são, na primeira parte, histórias que envolvem a gente da fronteira Sul do Brasil, nos seus teres e haveres, nos seus episódios bélicos, nos seus contrabandos, nos bolichos povoados de bandidos que bebem cachaça e estão prontos a usar seus revólveres e adagas, tudo isso entremeado por amores ásperos e carnais. São pessoas que vivem na luta entre o que se convencionou chamar de civilização e a barbárie, sendo esta apenas seu modo inocente de encarar o mundo. De certo modo, são os que habitaram, em outro século e outra estética, os causos de João Simões Lopes Neto. Aqui os vemos ?atualizados? por novas circunstâncias, novas geografias, novo estilo e novo e exclusivo autor. Mas enfim, podem ser contados à borda do fogo de chão. Na segunda parte dominam outras circunstâncias, em que a aventura, o deslocamento e o pensamento político trazem outras personagens, outras lembranças, todas de um período em que ainda havia o desejo de construir um universo com espaço suficiente para a solidariedade, a liberdade e, novamente, para o amor, antes que viessem as sombras. Há relatos visivelmente pessoais, transfigurados e trazidos à palavra que, como se sabe, cria mundos diferentes do real. Essas andanças bem podem ser narradas aos netos por senhores encanecidos em seus lazeres rememorativos de uma época de sonho. Tudo o que vimos, portanto, parecem causos. Mas aqui estamos perante um escritor de longo e experimentado ofício, e daí que já surgem prontos como literatura, isto é, viram contos, na mais alta expressão que a literatura pode abrigar. Se o conto vale pelo não dito, Degrazia sabe esconder o que verdadeiramente interessa, deixando a descoberta ao leitor inteligente que, assim, participará de um autêntico festim intelectual e emocional. E os leitores saem absolvidos de seu injusto anátema. Luiz Antonio de Assis Brasil, inverno de 2021"
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